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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Carta Aberta de Toni Reis ao Congresso Nacional sobre Criminalização da Homofobia no Brasil


para   conhecimento e  livre  publicação

Carta Aberta ao Congresso Nacional Brasileiro


Senhores Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas,

Na semana que passou, tive a alegria e a tristeza de participar de três importantes eventos ocorridos no Brasil.

Primeiro, foi com alegria que recebemos a Unesco Internacional e demais representantes e especialistas de 25 países dos cinco continentes, incluindo México, França, Alemanha, Inglaterra, China, África do Sul, Holanda, Chile, Samoa, Austrália, Lituânia, Israel, Estados Unidos, Namíbia, Turquia, dentre outros, com o objetivo de discutir soluções para a homofobia nas escolas.

Percebemos com alegria que no Brasil, mesmo com os problemas de discriminação e violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), há avanços significativos no combate à homofobia em geral, tanto no poder Executivo quanto no poder Judiciário.

Na sexta-feira participei da entrega da 17ª edição do Prêmio Direitos Humanos 2011 na qual a presidenta Dilma Rousseff reafirmou a orientação política de seu governo de que todas as políticas públicas estejam pautadas pelo respeito aos Direitos Humanos.  “Não haverá país desenvolvido e civilizado, com potencial econômico mundial, se não respeitarmos os Direitos Humanos. Temos uma clara postura contra a intolerância.” E disse mais: “Não é possível um país de 190 milhões de pessoas crescerem só para alguns e excluir outros”. E citou textualmente que se deve respeitar a opção[1][1] (sic) sexual  das pessoas.  Parabéns, Presidenta Dilma!

Estas foram as alegrias.

No entanto, na quinta-feira, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, na qual foi discutido o Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006 que criminaliza a homofobia, vi cenas e gestos e ouvi expressões que nunca queria ver e nem ouvir.  Vi quatorze deputados e uma deputada, assim como trinta e oito pastores e pastoras de religiões evangélicas fazendo a maior pressão para que nós LGBT não tenhamos cidadania plena e justa neste país. Vi senadores fazendo o alvoroço para não ser aprovada a criminalização da homofobia no Brasil. Foi triste ouvir dois senadores falarem que no Brasil não há homofobia, que o movimento LGBT quer transformar o Brasil num império homossexual, que o projeto de lei é “um lixo”, falando que é inconstitucional porque feriria a liberdade de expressão e outros argumentos beirando à ignomínia.

Nós, pessoas LGBT, não queremos privilégios, não queremos um “império” próprio. Apenas reivindicamos sermos tratados pela legislação brasileira, como seres humanos e cidadãos/ãs brasileiros/as que somos, de fato e de direito. Afinal, cumprimos o dever do voto, pagamos nossos impostos e nosso dinheiro também serve para movimentar e impulsionar a economia brasileira. No entanto, parte do poder Legislativo Federal, lamentavelmente, comete o erro gravíssimo de não nos reconhecer como tal.

Como afirmar que “no Brasil não há homofobia”? Então, como se chama a crescente e assustadora “onda” de assassinatos e violências físicas contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, acontecendo a todo minuto em alguma região do território brasileiro, a exemplo dos ocorridos na Avenida Paulista? Como explicar o fato de, a cada 36 horas (segundo estatísticas do Grupo Gay da Bahia – GGB), uma pessoa  homossexual é brutalmente assassinada no Brasil, com os mais absurdos e inimagináveis requintes de crueldade? Pesquisas realizadas por instituições de renome comprovam que 70 por cento da comunidade LGBT já foram discriminados em algum momento na vida por ser LGBT, e 20% já sofreram violência física.

Defendemos totalmente o artigo 5º inciso IX “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, porém isso não dá salvo-conduto para incentivar a violência, a discriminação e abertura para o charlatanismo desenfreado contra nós LGBT ou qualquer outro(a) cidadão/cidadã brasileiro(a).

O Projeto de Lei nº  122/2006  está  de acordo com o artigo 3° inciso IV e artigo 5° da Constituição Federal, que garante que todos são iguais perante a lei sem discriminação de qualquer natureza.Também está de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda, o Programa Nacional de Direitos Humanos II, no item 114, prevê a aprovação da lei antidiscriminatória por orientação sexual.

Ademais, projetos de lei similares já foram aprovados em 62 países em todos os continentes.  112 cidades brasileiras têm sua lei antidiscriminatória, dentre as capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Natal, Fortaleza; também vários Estados já aprovaram sua lei antidiscriminatória: São Paulo, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pará.

Por outro lado, vi e contei, apenas um deputado federal, Jean Wyllys (PSOL-RJ) nos defender firmemente, assim como as três senadoras: Marta Suplicy (PT-SP), Marinor Britto (PSOL-PA) e Lídice da Matta (PSB-BA), seguidas pelos senadores solidários Eduardo Suplicy (PT-SP), Cristovam Buarque (PDT- DF) e Humberto Costa, líder do PT no Senado, bem como o senador Paulo Paim (PT-RS). Também vi quatro assessorias de ministérios presentes nos ajudando. A troca do suplente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa pelo líder do PT foi a maior prova de que temos muitos(as) aliados(as) no Congresso.

Na semana que antecedeu o fato, presenciamos milhares de mensagens nas redes sociais (facebook, orkut e twitter) favoráveis e contra. Os argumentos favoráveis sempre numa lógica de construirmos um país com menos violência e com menos discriminação.  Os argumentos contrários numa linha fundamentalista, beirando à teocracia.

A senadora Marta Suplicy, com sua inteligência e perspicácia, fez de tudo para que buscássemos um consenso. Falou com A a Z no Brasil. Inclusive indo até a CNBB, falando com todos e todas e nesse processo fez um substitutivo que realmente não era o ideal, mas foi o acordo possível naquele momento.

Com o acordo aumentou o número de parlamentares favoráveis, mas infelizmente os adversários não acataram as pactuações e o projeto de lei foi retirado da pauta da sessão da Comissão para reexame. Na sessão tínhamos um empate de votos. Não poderíamos correr o risco de perder. Neste sentido quero render todas as minhas homenagens à senadora Marta Suplicy. Porém, do fundo do meu coração e na minha profunda reflexão, não podemos e nem faremos mais concessões. Queremos um projeto que não hierarquize discriminações e violências. A violência que atinge uma pessoa LGBT deve ser penalizada da mesma forma que a violência que atinge uma pessoa judia, negra, indígena, com deficiência, uma mulher... qualquer pessoa, inclusive já há leis neste sentido. Enfim, queremos um projeto autêntico. Não queremos leis genéricas. Sabemos que a violência em nosso país tem cor, tem situação econômica e tem orientação sexual e identidade de gênero. Vamos para o voto, sem concessões de qualquer natureza.  Queremos que sejam respeitados os preceitos da Constituição Federal, quando falam dos princípios da igualdade, da liberdade, da não discriminação e da segurança jurídica, assim como fez o Supremo Tribunal Federal no dia 5 de maio de 2011, quando reconheceu nosso direito à união estável, enquanto o projeto de lei sobre o mesmo assunto está mofando no Congresso Nacional há 16 anos.

Como já tínhamos aprovado no IV Congresso da ABGLT em novembro, vamos seguir abertos ao diálogo, mas engrossando a voz e reestruturando as táticas e as estratégias com o acúmulo de nossas forças.

Com a retirada para reexame, como já dizia Lênin, para dar "um passo para trás, para poder dar dois para frente." Vamos convocar todos(as) que são parceiros(as) e pessoas aliadas, onde estiverem para se posicionarem. Vamos pactuar amplamente com a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT.

Em 2012 vamos propor que as 250 Paradas do Orgulho LGBT focalizem na criminalização da homofobia, integralmente, sem exceções e por uma educação sem homofobia, seguindo a tendência internacional. 

E vamos estudar a viabilidade de novamente recorrer ao Judiciário.  Será que uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade interpretaria à luz da Constituição Brasileira se somos ou não cidadãs e cidadãos com os mesmos direitos de fato, sem distinção de qualquer natureza?

Não podemos ficar satisfeitos com migalhas ou fatias de pão. Agora queremos o pão inteiro.

Aprovando a criminalização da homofobia ninguém perderá direito algum e nós, mais de 19 milhões de LGBT no Brasil, estaremos mais um passo rumo à cidadania plena.

Continuaremos sempre na política do diálogo, com respeito e tranquilidade, mas não nos amedrontaremos, apequenaremos ou acovardaremos com ameaças, seja de quem for. Queremos, como já dizia Aristóteles, ser felizes e cidadãos. Afinal a finalidade maior da vida é a felicidade.

Para concluir, gostaria de citar Chico Xavier:

A gente pode
morar numa casa mais ou menos
morar numa rua mais ou menos
morar numa cidade mais ou menos
e até ter um governo mais ou menos
A gente pode
...
Olhar em volta e sentir que tudo
está mais ou menos
TUDO BEM
O que a gente não pode mesmo,
nunca, de jeito nenhum,
É amar mais ou menos
É sonhar mais ou menos
É ser amigo mais ou menos
...
Senão a gente corre o risco de se
tornar uma pessoa mais ou menos.”


Pela criminalização da homofobia já! Pela aprovação da Lei Alexandre Ivo. Os direitos humanos ou valem para todos e todas, ou não valem para ninguém. Não queremos guerra, queremos paz e amor ao próximo.

Aproveitamos para desejar um feliz natal e que em 2012 possamos aprovar a lei.



Curitiba, 12 de dezembro de 2011


Toni Reis 

Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT
Professor formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná
Especialista em Sexualidade Humana pela Universidade Tuiuti do Paraná
Mestre em Filosofia pela Universidade Gama Filho
Doutorando em Educação
Diretor Regional da GALE, Global Alliance for LGBT Education

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